No segundo vídeo da série ‘Cabeças’, vemos a parte superior do corpo de Renato Pera derretendo. O episódio ‘Derretida’ é seguido de texto do artista, que você pode ler abaixo!
A lógica falha, o corpo é estraçalhado, os objetos são animados. O suspense produz um vazio sufocante. O vazio é seguido pelo susto. O susto é uma presença insuportável, tão insuportável que é preciso fechar os olhos, apertar o maxilar, ranger os dentes, gritar, cerrar os punhos, roer unhas e cutículas. Contração muscular, tensão, encolhimento, tremor, recuo, entorpecimento, calafrio, frio na espinha, paralisia, estremecimento, grito involuntário, aceleração ou diminuição dos batimentos cardíacos, respiração ofegante ou lenta, contração ou dilatação dos vasos sanguíneos, constipação, diarreia, imobilização, catalepsia, pânico, convulsão, espasmos, gemido, choro, insônia, taquicardia, paranoia, náusea, repulsa, nojo, medo, aversão, escatologia, abjeção, ameaça, pavor, horror, terror. Cadáver. Tudo aquilo que é intolerável e deve ser reprimido, afastado da vista. Sem maquiagem ou máscaras, dejetos e cadáveres exibem o que permanentemente é reprimido para que se possa viver, até que, de perda em perda, o corpo cai para além da borda. A morte infectando a vida. Talvez não exista diferença entre se fazer de morto e estar morto de fato. Aprende-se a viver com o próprio cadáver. Um morto-vivo até pode ser a representação perfeita do sujeito hipnotizado pelas telas lisas e brilhantes, cores saturadas e superfícies sedutoras, seu erotismo inorgânico delicioso e pulsante. Mas eu gosto de pensar que os mortos-vivos são, também, representações da urgência da carne (podre, crua) e da fome incontrolável, do sangue jorrando, da merda, do sexo, daquilo que pode ter o potencial de manchar toda essa fluidez nauseante.
Renato Pera. Série Cabeças (Derretida), 2021. Fotogrametria, animação e edição: Caio Fazolin. Textos: Renato Pera.
Renato Pera
Renato Pera (São Paulo, 1984) é artista e professor universitário. Doutor, Mestre e Bacharel em Artes Visuais pela USP. Foi premiado pelo 42o Salão de Arte de Ribeirão Preto (2017), 24o Visualidade Nascente (2016) e indicado ao Prêmio PIPA (2017 e 2014). Participa de exposições individuais e coletivas, nacionais e internacionais. Seu trabalho integra coleções públicas e privadas. É representado pela Galeria Bailune Biancheri (São Paulo).