programação
Disparate
Helena Martins-Costa
22/03/2025 até 29/06/2025
A Casa de Cultura do Parque tem o prazer de apresentar, de 22 de março a 29 de junho de 2025, seu I Ciclo Expositivo que reúne obras que desafiam as tradições da pintura, fotografia e produção têxtil.
Em Disparate, mostra apresentada no Gabinete, Helena Martins-Costa (Porto Alegre, RS, 1969) manipula fotografias de arquivo e frames de vídeo, decapitando figuras, criando novas anatomias e utilizando o preto e branco para conferir um novo significado a imagens do passado. As figuras quadrúpedes, que a própria artista define como “monstros”, remetem aos horrores grotescos de Goya – mestre da luz e das trevas, nas palavras de Charles Baudelaire – borrando a linha entre real e fantástico.
A opção pelo preto e branco “injeta efeitos perturbadores, põe em xeque os automatismos da visão, modifica a estrutura das imagens, além de reduzi-las à gama cromática original da fotografia”, comenta Annateresa Fabris, que assina o texto de apresentação. Neste sentido, Martins-Costa transforma a fotografia em prática autorreflexiva, desafiando o observador a “olhar muitas vezes para essas imagens inquietantes e confrontar o estranho aninhado dentro de cada um de nós”, finaliza.
Sob o signo do disparate
Fotógrafa compulsiva, Mariechen possui uma Agfa-Especial “onividente”, dotada do poder de alterar o real, fazendo fotos “que não existem” e vendo coisas “que não estavam ali antes”. Desse modo, a personagem de A caixa (Die Box, 2008), põe em xeque a relação da fotografia com a semelhança, já que lhe confere a capacidade milagrosa de trazer de volta histórias de um passado remoto, de consertar o presente, de projetar o futuro, de satisfazer desejos latentes e de admoestar quem incorre em sua ira.
Por que evocar essa personagem de Günter Grass para falar da produção recente de Helena Martins-Costa? Porque a câmera milagrosa do romance é uma metáfora da imaginação criadora, concebida como uma caixa na qual a memória convive com o futuro sob forma de sonhos e desejos. Embora na série atual não seja uma produtora de fotografias, a artista usa um procedimento semelhante ao da ficcional Mariechen: fabrica imagens inéditas a partir de registros preexistentes e propõe uma nova visualidade para clichês corriqueiros, provenientes de um universo imagético saturado e incapaz de despertar qualquer interesse no espectador hodierno.
Graças a três gestos calculados – decapitação das figuras em luta, criação de uma nova anatomia por meio da união dos corpos em confronto e retirada da cor dos frames de vídeo –, Martins-Costa confere um novo significado a imagens do passado, que perderam qualquer substância na sociedade contemporânea, injetando nelas efeitos perturbadores e pondo em xeque os automatismos da visão. A opção pelo preto e branco faz parte dessa estratégia de redução das imagens à gama cromática original da fotografia, mas ela pode ser reportada também à admiração por um artista determinante na criação desse conjunto: Francisco de Goya, mestre da luz e das trevas, nos dizeres de Charles Baudelaire.
As “figuras quadrúpedes”, que mais parecem monstros, como a própria artista as define, estão bem próximas dos “horrores grotescos” concebidos por Goya, nos quais é impossível discernir “a linha de sutura, o ponto de encontro entre o real e o fantástico”, para usarmos outra caracterização proposta pelo poeta. É sob o signo do disparate, da hibridização fantasiosa, da metamorfose que se colocam as estranhas criaturas de Martins-Costa, portadoras de uma alteridade profunda, que aponta tanto para o disforme quanto para o onírico com suas suturas imperfeitas e irreais. O fato de serem construídas a partir de imagens fotográficas e televisivas acresce sua carga de estranhamento e torna mais contundente a impressão de uma dissonância intensa, alicerçada em deformações inesperadas e na quebra insólita de formas conhecidas de sobejo.
O observador vê-se, assim, interpelado por imagens concebidas como um processo de mutação incessante, que desmonta qualquer ilusão mimética e transforma a fotografia numa prática autorreflexiva. Diante dela só resta uma atitude: olhar muitas vezes para essas imagens inquietantes a fim de descobrir não só o que elas dão a ver, mas também e, sobretudo, o estranho aninhado dentro de cada um de nós.
Annateresa Fabris
As mostras do I Ciclo Expositivo 2025 têm direção artística de Claudio Cretti, idealização do Instituto de Cultura Contemporânea (ICCo) e sua realização conta com o apoio do Ministério da Cultura, por meio da Lei de Incentivo à Cultura.
Abertura: 22 de março de 2025, sábado, das 14h às 18h
Visitação: 22 de março a 29 de junho de 2025
Quarta a domingo, das 11h às 18h